terça-feira, 16 de novembro de 2021

Centenário de José Saramago

Centenário de José Saramago

 

Para assinalar o início das comemorações alusivas ao Centenário do nascimento de José Saramago, que se celebra a 16 de novembro de 2022, as Bibliotecas Escolares escolheram dois dos livros do escritor e selecionaram uns excertos para assinalar esta data. Além dos excertos divulgam-se outros materiais que poderão ser utilizados nestes próximos 365 dias para comemorar o centenário do prémio Nobel da Literatura. 

 

A maior flor do mundo

“As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas.  

Quem me dera saber escrever essas histórias, mas nunca fui capaz de aprender, e tenho pena. Além de ser preciso saber escolher as palavras, faz falta um certo jeito de contar, uma maneira muito certa e muito explicada, uma paciência muito grande – e a mim falta-me pelo menos a paciência, do que peço desculpa. 

Se eu tivesse aquelas qualidades, poderia contar, com pormenores, uma linda história que um dia inventei, mas que, assim como a vão ler, é apenas o resumo de uma história, que em duas palavras se diz… Que me seja desculpada a vaidade se eu até cheguei a pensar que a minha história seria a mais linda de todas as que se escreveram desde o tempo dos contos de fadas e princesas encantadas… Há quanto tempo isso vai!” 

 in A maior flor do mundo, de José Saramago

 

O Conto da Ilha Desconhecida

 

“Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar. Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. O suplicante dizia ao que vinha, depois instalava-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios, o rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado seria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de maré.”

 in O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago







Boas leituras!

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