Centenário de José Saramago
Para assinalar o início das comemorações
alusivas ao Centenário do nascimento de José Saramago, que se celebra a 16 de
novembro de 2022, as Bibliotecas Escolares escolheram dois dos livros do
escritor e selecionaram uns excertos para assinalar esta data. Além dos excertos divulgam-se outros materiais que poderão ser utilizados nestes próximos 365 dias para comemorar o centenário do prémio Nobel da Literatura.
A maior flor do mundo
“As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas.
Quem me dera saber escrever essas
histórias, mas nunca fui capaz de aprender, e tenho pena. Além de ser preciso
saber escolher as palavras, faz falta um certo jeito de contar, uma maneira
muito certa e muito explicada, uma paciência muito grande – e a mim falta-me
pelo menos a paciência, do que peço desculpa.
Se eu tivesse aquelas qualidades, poderia
contar, com pormenores, uma linda história que um dia inventei, mas que, assim
como a vão ler, é apenas o resumo de uma história, que em duas palavras se diz…
Que me seja desculpada a vaidade se eu até cheguei a pensar que a minha
história seria a mais linda de todas as que se escreveram desde o tempo dos
contos de fadas e princesas encantadas… Há quanto tempo isso vai!”
O Conto da Ilha Desconhecida
“Um homem foi bater à porta do rei e
disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela
era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos
obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que
ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando
o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório,
escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar,
Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário
para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar.
Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o
terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e
assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em
quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é
que tu queres. O suplicante dizia ao que vinha, depois instalava-se a um canto
da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao
contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios, o
rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de atenção ao bem-estar e
felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por
escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado seria dizer, passava a
encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente, até chegar
outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de
maré.”
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