sexta-feira, 12 de março de 2021

Semana da leitura - Dia 5

Depois de um desafio, lançado pela professora de Ensino da Música, Anabela de Jesus Duarte para uma atividade interdisciplinar, a professora de Português do 8.ºBD, Elisa Rodrigues, aceitou-o. Os alunos, apesar de confinados e em E@D, fizeram um excelente trabalho! Esta excelente apresentação final foi da responsabilidade da docente Anabela.

Agradecemos a todos o resultado final e deixamos os nossos sinceros parabéns!

 

Whatever you do, do it well. Do it so well that when people see you do it, they will want to come back and see you do it again, and they will want to bring others and show them how well you do what you do.

Walt Disney


 

A Humildade e a leitura

A partir da história "Humildade", lida pela professora Madalena Duarte, os alunos do 2.º e 3.º anos, da EB de Pascoal, deram asas à sua criatividade e, em família, elaboraram flores mágicas, muito diferentes, originais, únicas e especiais!

Tal como os 19 alunos da turma, também estas flores são humildes e todas diferentes!

Parabéns a todos os alunos, pais e professora Madalena e obrigada pela partilha e promoção da leitura!

 

“Com a liberdade, livros, flores e a lua, quem poderia não ser feliz?” – Oscar Wilde



3.º ciclo @ ler!

Valter Hugo Mãe – O rapaz que habitava os livros

Barafustaram comigo, nem escutaram o que eu queria que entendessem. Diziam que os livros queimavam os olhos, eram diurnos, não serviam para as noites. As regras do nosso colégio interno, para meninos casmurros como eu, mandavam assim. Queriam os livros no corredor. As luzes apagadas às nove. Eu ainda deitei mão a alguns volumes, toquei-lhes brevemente igual a quem cai num precipício e procura agarrar-se, mas não me deixaram nada. Apenas o candeeiro já apagado, como se a luz tivesse morrido de tristeza. Adormeci muito mais tarde, de todo o modo. O coração rasgado em papelinhos pequenos. E uma gula esquisita embrulhada no estômago parecia dizer que eu não havia jantado. Fui ver a minha nova estante logo pela manhã. Era um bocado de espaço arranjado entre tralhas meio esquecidas. Fiquei ofendido. Os livros não esquecem nada. Eles são para sempre a mesma memória admirável. Esquecer livros é uma agressão à sua própria natureza. Embora, na verdade, eles nem se devam importar, porque podem esperar eternamente. Alguém colocara um pequena placa dizendo: não alimente os animais. Fiquei sem saber se queriam dizer que os livros eram bichos comendo as nossas ideias ou se seria eu um devorador de páginas, alimentado de palavras como as histórias. As histórias podem comer muitas palavras. Pensei: os meus queridos livros. Era o que pensava e sentia: os meus queridos livros. Olhava-os como se estivessem vivos e pudessem sofrer. Como se pudessem também entristecer. Gostei de colocar a hipótese de os livros serem como bichos. Isso faz deles o que sempre suspeitei: os livros são objetos cardíacos. Pulsam, mudam, têm intenções, prestam atenção. Lidos profundamente, eles estão incrivelmente vivos. Escolhem leitores e entregam mais a uns do que a outros. Têm uma preferência. São inteligentes e reconhecem a inteligência. Os livros estão esbugalhados a olhar para nós. Quando os seguramos, páginas abertas, eles também estão esbugalhados a olhar para nós. Os meus colegas ficaram todos a rir-se de mim. Eu era conhecido como o rapaz que perdia a hora de dormir. Tinha a cabeça na lua, diziam. Não me importei nada. Rirem-se de nós pode ser só um erro no ponto de vista. E eles, todos eles, estavam errados. A primeira vez que vi um livro, que me lembre, era um que estava aberto, pousado sobre a mesa, com as folhas em leque como se fossem uma colorida flor contente. Podia ser uma caixa esquisita para arquivar pétalas secas. Podia ser para guardar documentos ou cartas de amor. De perto, era afinal um livro muito branco, cheio de palavras impressas. Julguei que podia ser um bordado miudinho.

Um enfeite para que as páginas ficassem bonitas. Pensei que fosse uma prenda de enxoval. Depois, compreendi, era o modo silencioso das conversas. Todos os livros são conversas que os escritores nos deixam. Podemos conversar com Camões, Shakespeare ou Machado de Assis, mesmo que tenham morrido há tantos anos. A morte não importa muito para os livros. Mais tarde, aprendi que os livros acontecem dentro de nós. Claro que eles podem ser bonitos de ver, mas são sobretudo incríveis de pensar. Eu disse que ler é como caminhar dentro de mim mesmo. E é verdade. Quando lemos estamos a percorrer o nosso próprio interior. (…)

     Era comum, subitamente, que eu me esquecesse de tudo durante os intervalos. Corria para os bancos no lado da frente do colégio, à vista dos janelões principais, e aí deitava os olhos às letras e a alma inteira à imaginação. Quando era hora de entrar, tantas vezes algum colega vinha cutucar-me. Diziam: anda, seu distraído. Anda embora. Um dia, ninguém me cutucou. Fiquei apenas caminhando dentro de mim mesmo, o que era diferente da solidão. A professora mandou dois rapazes aos janelões da frente a chamar por mim. Assim chamaram. Mas eu, juro muito, não os ouvi. Voltaram para dizer à professora: parece que se mudou para dentro do livro porque não ouve a nossa voz. Usámos os binóculos da sala de ciências e vimos bem, senhora professora. Ela sorri. Está feliz. Isso levantara o problema de saber como trocar a felicidade pelo regresso à aula.

Valter Hugo Mãe, O rapaz que habitava os livros

 

Ler sempre. Ler em qualquer lugar.


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