quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Poema das folhas secas de plátano


As folhas dos plátanos desprendem-se e lançam-se na aventura do espaço,

e os olhos de uma pobre criatura

comovidos as seguem.

São belas as folhas dos plátanos

quando caem, nas tardes de novembro,

contra o fundo de um céu desgrenhado e sangrento.

Ondulam como os braços da preguiça

no indolente bocejo.

Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,

traçam erres e esses, ciclóides e volutas,

no espaço escrevem com o pecíolo breve,

numa caligrafia requintada,

o nome que se pensa,

e seguem e regressam,

dedilhando em compassos sonolentos

a música outonal do entardecer.

 

São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.

Eram verdes e lisas no apogeu

da sua juventude em clorofila,

mas agora, no outono de si mesmas,

o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,

deixou-se trespassar por afiados ácidos.

A verde clorofila, perdido o seu magnésio,

vestiu-se de burel,

de um tom que não é cor,

nem se sabe dizer que nome tenha,

a não ser o seu próprio,

folha seca de plátano.

A secura do Sol causticou-a de rugas,

um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,

e esta real e pobre criatura

vendo o solo coberto de folhas outonais

medita no malogro das coisas que a rodeiam:

dá-lhes o tom a ausência de magnésio;

os olhos, a beleza.

António Gedeão (1906-1997),

in Poemas Escolhidos, Edições JSC, 1997.



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