“Jean Perdu é proprietário de um negócio tão
especial quanto extraordinário: a Farmácia Literária, uma livraria instalada
num barco atracado no rio Sena, em Paris. Ao invés de vender medicamentos,
receita livros como remédio para os males da alma. Porém, embora saiba aliviar
a dor dos outros, não consegue atenuar a sua própria dor.”
Hoje
a Biblioteca Escolar decidiu partilhar um excerto do livro O Livreiro de Paris, de Nina George, que nos conta a história de um
proprietário de uma farmácia muito especial e que nos faz viajar através dos
livros e pelo poder que estes têm.
“…-
Não - voltou a dizer Monsieur Perdu, na manhã seguinte. - Este livro, prefiro
não lho vender.
Cuidadosamente, tirou A Noite das mãos da cliente. De todos os
romances do seu barco-livraria, chamado Farmácia Literária, ela tivera logo que
escolher o malfadado bestseller de
Maximilian, aliás Max Jordan. O dono das orelheiras do terceiro andar da Rue
Montagnard.
A cliente olhava agora para o
livreiro com um ar perplexo.
- Mas porquê?
- Max Jordan não combina consigo.
- Max Jordan não combina comigo?
- Exato. Não faz o seu género.
- O meu género. Ha-ha! Peço desculpa, mas permita-me que lhe digaque vim ao seu barco-livraria à procura de um livro. E não de um marido, mon cher Monsieur.
- O meu género. Ha-ha! Peço desculpa, mas permita-me que lhe digaque vim ao seu barco-livraria à procura de um livro. E não de um marido, mon cher Monsieur.
- Com todo o respeito: o que a
senhora lê é, a longo prazo, mais decisivo do que o homem com quem casa, ma chère Madame.
Ela olhou para ele com os olhos
semicerrados.
-
Dê-me o livro, guarde o dinheiro e podemos os dois fingir que está um belo dia.
-
Mas hoje está um belo dia, amanhã provavelmente começa o verão, mas, este
livro, não o vai levar. Não serei eu a vender-lho. Posso sugerir-lhe , pois
pode alguns outros?
-
Ah? Para me convencer a levar um clássico velhíssimo, porque não tem paciência
para o atirar pela borda fora, pois pode envenenar os peixes? - Tinha começado
num tom baixo, que foi sempre aumentando.
-
Livros não são ovos. Só porque um livro já tem uns quantos anos não significa
que fica fora do prazo de validade. - O tom de Monsieur Perdu também se tornou mais cortante. - E além disso, o
que é que significa velho? A idade não é uma doença. Todos envelhecemos, também
os livros. Mas será que a senhora, seja quem for, tem menos valor, menos
importância, só porque já está há algum tempo neste mundo?
-
É ridículo como está a distorcer as coisas só porque acha que não mereço essa
porcaria de A Noite.
A
cliente - ou melhor: a não-cliente - atirou o porta-moedas para dentro da mala
cara, correu o fecho-éclair, mas este encravou.
Perdu
sentiu algo crescer dentro de si. Um sentimento selvagem, de fúria, tensão - só
que, claro, nada tinha nada a ver com aquela mulher. Mesmo assim não conseguiu
manter a boca fechada. Foi atrás dela, enquanto ela percorria o interior do
barco com uma passada pesada e furiosa e gritou por entre estantes na luz de
crepúsculo:
-
A escolha é sua Madame! Pode ir-se
embora e cuspir-me em cima. Ou então pode, a partir deste preciso momento,
evitar mil horas de futuro sofrimento.
-
Muito agradecida, acho que já tomei a minha decisão.
-
Ao entregar-se à proteção dos livros, em vez de se perder nas relações com
homens, que de uma maneira ou outra a subestimam, ou nas loucuras das dietas estúpidas,
porque para um homem não é suficientemente magra e para outro não é
suficientemente inteligente.
Ela
estacou em frente das grandes janelas que davam para o Sena e olhou para Perdu
com um olhar faiscante.
-
Como é que se atreve!
-
Os livros protegem-na da estupidez. De falsas esperanças. De homens falsos.
Revestem-na de amor, força e sabedoria. É vida por dentro. Agora escolha. Livro
ou…
Antes
que pudesse terminar a frase, passou por eles um vapor turístico. Junto à
balaustrada, um grupo de chineses por baixo de guarda-chuvas. Começaram a
fotografar intensamente quando viram a famosa farmácia literária flutuante de
Paris. O navio a vapor lançou dunas de água esverdeadas contra a margem, o
barco-livraria oscilou.
A
cliente cambaleou em cima dos seus chiques saltos altos. Mas em vez de lhe
estender a mão, Perdu estendeu-lhe A
Elegância do Ouriço.
Por
reflexo, ela deitou a mão ao livro e agarrou-se a ele.
Perdu
não o largou, enquanto, já num tom tranquilizador e não muito alto, falava para
a desconhecida.
-
Precisava de um quarto só para si. Não demasiado luminoso, com uma gatinha nova
para lhe fazer companhia. E este livro, que fará o favor de ler com calma. Para
que possa descansar entre a leitura. Vai refletir muito e provavelmente também
vai chorar. Por si. Pelos anos. Mas depois vai sentir-se melhor. Vai perceber
que não tem de morrer agora, mesmo que sinta isso, depois de o tipo não ter
sido decente. E vai voltar a gostar de si própria e deixar de se sentir feia e
ingénua.
Só
depois de dar aquelas instruções é que largou o livro.
A
cliente fitou-o. O susto estampado no seu olhar indicou-lhe que tinha acertado.
Com bastante precisão.
Ela
deixou então cair o livro.
-
Você está completamente louco - sussurrou, rodopiou sobre os saltos e saiu
disparada, atravessando o interior do barco até ao cais.”
Excerto
do livro O Livreiro de Paris, de Nina
George.
Boas Leituras!
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