O troll que não quis ficar em casa por Carlos A. Silva
No país dos contos de fadas, andava tudo em alvoroço. A
bruxa Canhestra, desastrada por natureza, tinha-se enganado numa das suas
poções mágicas e mandara a cabana pelos ares. Sobre todo o território, pairava
uma névoa esverdeada e pestilenta, que provocava reações esquisitas em quem a
inalava. A começar pela própria bruxa Canhestra, que ficou transformada numa
galinha saltitona e passou o resto dos seus dias a saltar à corda e a pôr ovos
de borracha.
O centauro Serafim, carteiro de profissão, que ia a passar
naquele momento, ganhou um apetite voraz por papel e comeu as cartas todas que
tinha para distribuir. A seguir, invadiu a biblioteca e começou a devorar
enciclopédias mágicas e romances de encantar. Tiveram de correr com ele à
vassourada, senão não tinha restado qualquer livro nas estantes, o que seria
uma tragédia.
A Ratinha Vaidosa, que vinha a chegar das compras à sua
casa-cogumelo, desatou a cantar ópera em altos berros, com a sua vozinha
desafinada. O que fez com que os vizinhos, ensurdecidos pela cantoria, a
tivessem de amordaçar violentamente.
Por todo o lado, havia seres atingidos pela tal névoa
mágica, manifestando os mais estranhos sintomas.
Depressa os habitantes do país dos contos de fadas
perceberam a origem destas perturbações e protegeram a boca e o nariz com
máscaras especiais, à prova de feitiços gasosos. Só que não as havia para
todos...
O ministro do reino, um cavalo alado muito sábio, decretou
então:
- Enquanto a névoa mágica resultante do acidente da
Canhestra não se dissipar, toda a gente deve ficar em casa. Fechem portas e
janelas e evitem meter o nariz de fora. Já temos uma equipa de fadas, bruxas e
feiticeiros a estudar o assunto e a desenvolver uma poção de desencantamento.
Até que o problema se resolva, e não sabemos quando, ninguém sai, ouviram?
Os anões, as fadas, as ninfas, os faunos e os restantes
seres que habitam o país dos contos de fadas, todos acataram as ordens do ministro
do reino. Todos, menos um, o troll Arrebentaportas, que era sempre do contra.
- Vou agora ficar em casa... Tenho mais que fazer. Vou
inventar uma máscara à minha maneira e saio quando me apetecer. Tanto mais que,
aqui por estes lados, já quase se não vê qualquer névoa.
E se assim o pensou, melhor o fez. Enrolou à volta da boca
e do nariz um trapo ensopado numa mistela que usava para desentupir a sanita e
saiu. Só que não chegou muito longe. A pouco e pouco, os restos de névoa
pestilenta que por ali pairavam atravessaram o tecido da máscara improvisada e
o resultado não foi bonito de se ver. O troll Arrebentaportas foi transformado
numa batata podre com soluços. E o problema maior é que, sempre que soluça,
metamorfoseia-se numa coisa diferente: uma panela de pressão, um chinelo roto,
um penico, um ovo escalfado e uma quantidade de outras coisas inesperadas. É
bem feito para ele!
E vocês, não esqueçam, enquanto o problema persistir, NÃO
SAIAM DE CASA!
Disponível em https://ficcoesbreves.blogspot.com/2020/03/o-troll-que-nao-quis-ficar-em-casa.html#more
“Carlos Alberto Silva nasceu a 25 de Junho de 1958, em Pombal. Vive em Leiria.
Diplomado em educação de infância, especializou-se em
Comunicação Educacional e Gestão da Informação, desempenhando actualmente
funções de professor bibliotecário, no Agrupamento de Escolas de Porto de Mós,
onde lecciona Iniciação à Programação a alunos dos 3.º e 4.º anos de
escolaridade. Ultimamente, tem desenvolvido algum trabalho de pesquisa e experimentação
no domínio da Robótica Educativa como instrumento de aprendizagem, nomeadamente
no que diz respeito à leitura e à escrita.
Entre outras actividades, tem exercido nas áreas do teatro,
das artes plásticas, do jornalismo, da animação cultural e do ensino e
formação. Desenvolve diversas acções no âmbito da mediação e promoção da
leitura, como autor e contador de histórias.
(…)
Escreve desde muito novo, tendo diversos textos publicados
em “fanzines”, jornais e “sítios” da internet.”
Pode consultar mais em https://amoranegra.pt/?p=433
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